sexta-feira, 17 de março de 2017

Jane Eyre: Um romance feminista?


A primeira vez que li “Jane Eyre”, da autora inglesa Charlotte Brontë, me surpreendi muito; estava esperando apenas um romance de época, daqueles em que se tem uma heroína, um interesse amoroso e muitos empecilhos. Bom, “Jane Eyre” de fato tem essa premissa, mas a forma como é abordada é bem diferente.
A começar pela história, que nada mais é do que uma autobiografia da personagem principal, Jane Eyre. Ela começa contando sua história desde a infância, quando vivia com a tia megera, Sra. Reed, e os primos, até quando se casou e viveu feliz para sempre (na medida do possível, claro). Pois bem, Jane teve uma vida sofrida. Os pais morreram quando ela ainda era uma criancinha, e o irmão de sua mãe, Sr.Reed, resolve adotá-la. No entanto, seu tio morre e a deixa aos cuidados de sua esposa, que não nutre nenhum tipo de amor por Jane. Aliás, ela odeia a menina e a despreza mais do que qualquer outra coisa. Vivendo em um contexto assim, sendo tratada como menos do que um animal e um estorvo, não é de se surpreender que Jane virasse uma criança “rebelde”.

Frequentemente era maltratada pelo primo, e, em uma dessas, resolve se defender. E é aí que a história de Jane começa a dar uma guinada. A tia decide manda-la para uma escola para meninas, que, na verdade, era uma instituição de caridade bem precária. Lá, Jane aprende francês, pintura, tocar piano, enfim, a ser a perfeita dama vitoriana. Passa oito anos vivendo lá, sem ter contato algum com o mundo de fora, nem com a família. Aos dezoito anos, após algum tempo trabalhando como professora na escola de Lowood, Jane resolve conhecer mais o mundo e ser mais independente.

Eis que se torna uma governanta na casa do rico e feio Mr.Rochester. Quem lê romances ingleses do século XVIII e XIX, já sabe que histórias assim não são tão incomuns, e que o interesse amoroso de Jane será Mr. Rochester – feio rico e inalcançável. Os dois se apaixonam verdadeiramente, mas algo os impede de serem felizes para sempre. Não vou dizer o que é para não estragar a surpresa.
Enfim, esse é o contexto de Jane Eyre, bastante resumido, claro. Após ler, decidi compreender o livro como um romance feminista. Já li muitas pessoas dizendo que é, e outras dizendo que não. As que dizem que não, usam como argumento o fato de Jane ser apaixonada por Mr. Rochester e por pensar demais nele. Não discordo, quando Jane começa a ter um interesse maior por ele, logo o cara se torna uma constante em seus pensamentos. Em muitos capítulos, Jane apenas pensa sobre ele, em falar com ele, em ser percebida por ele, e essas coisas de pessoa apaixonada.

O outro argumento é o fato de tudo terminar em casamento. Sim, casamentos tem o viés patriarcal, e são uma das coisas que mais podem oprimir e prender uma mulher – especialmente no século 19, onde as mulheres eram praticamente obrigadas a casar para sobreviver. Contudo, da mesma forma que pensei com os romances de Jane Austen (que sempre terminam em casamento), escolhi pensar no casamento, nesse caso, como algo empoderador.
Como assim? Tem como isso acontecer?

Bem, vamos lá. Quando se vive em uma época em que casar é uma obrigação, que é uma necessidade para sobrevivência, casar por amor e por escolha pode ser algo emancipador. Jane Eyre se casa no final, sim, mas ela teve a escolha de voltar para Mr. Rochester quando ela poderia muito bem ter continuado a viver como vivia. Ora, desde o inicio Jane deixa claro que seu objetivo de vida é juntar dinheiro o suficiente para abrir uma pequena escola (p.145). Em momento algum a moça menciona casar-se como um futuro certo; além disso, Jane rejeita um pedido de casamento, de um homem que pode ser considerado um pretendente irrecusável, apenas porque não o ama. Se pensarmos que o casamento era uma necessidade na vida de uma mulher, rejeitar um tão vantajoso não parece uma atitude sensata, principalmente no caso de Jane, que não tem nome, nem fortuna e é considerada feia.

Pois bem, Jane poderia muito bem ter continuado sua vida sem se casar com Mr. Rochester. Seria um fim muito mais revolucionário, claro. Contudo, feminismo não prega que a mulher não deve se casar, ou ser dona de casa, ou cuidar dos filhos, ou sei lá mais o que. Feminismo prega a liberdade de uma mulher escolher o que ela quer ser. Pela visão do feminismo, se Jane quisesse ser apenas governanta o resto da vida, cuidando de sua escola, tudo bem; se ela quisesse fugir com Mr. Rochester para uma vila na França, sem estar casada com ele, tudo bem; se ela quiser casar com ele, ter filhos, tudo bem. É uma escolha que apenas ela tem o direito de fazer.

É muito injusto com uma personagem tão bem desenvolvida e independente, julgá-la apenas por ter casado. Ela escolheu casar, pois amava o homem. Dá mesma forma que ela escolheu não fugir com ele, pois não eram casados. O outro argumento é que Jane passou a orbitar em torno de Mr. Rochester, até o ponto em que ela diz a seguinte frase: “Jane Eyre, que fora uma ardente e esperançosa mulher – quase uma esposa – era de novo uma moça fria e solitária.” (p.216). Ok, essa frase entra em contradição com o personagem tão independente quanto Jane era. Contudo, é harmonioso com uma das principais características de Jane, que era ter alguém.

Desde criança, Jane se sentia solitária – e, de fato, era -, ao ponto de entrar em um estado depressivo por isso. Aceitava qualquer migalha de atenção e amor, como, por exemplo, fez com a criada Bessie. Depois, assim que entrou em Lowood, Jane conheceu Helen Burns, que se tornou sua amiga e confidente; mais velha, criou um laço de amizade com Miss Temple, a encarregada da escola de Lowood, e quanto esta se casou e foi embora da escola, Jane desejou fazer o mesmo. Para uma pessoa que sempre foi sozinha, quando Jane se compromete com Mr. Rochester, ela sente que finalmente vai ter alguém com ela – alguém que a ame. Além disso, depois de uma desilusão amorosa daquelas, Jane não iria estar se sentindo a pessoa mais feliz do mundo, não é?

Ela fica triste, sim. Mas ao invés de ficar chorando pelos cantos, Jane faz o que sempre fez. Se ergue novamente e segue com sua vida. Mr. Rochester continua em seus pensamentos – afinal, é difícil apaga-lo da memória de uma hora para a outra-, mas ela o deixa e vai viver a vida dela. Novamente passa por maus bocados, faz novas amizades, e, apenas depois de muito tempo, reencontra-o. E assim eles se casam e vivem felizes para sempre.


O fim é bem clichê, e pode frustrar muitas pessoas, mas achei conciso com a história e época. Não se esqueçam que se passava no século 19, onde a visão do feminismo, era limitada e muito diferente do que é hoje. Acredito que desconsiderar uma obra, por não encaixar nos padrões do feminismo de hoje, é um insulto às autoras que já iam contra tudo apenas ao escreverem histórias como essa. Enfim, indico quem não leu ainda essa maravilhosa obra, a ler. 


 “Espera-se das mulheres que sejam calmas. Mas elas são como os homens. Precisam exercitar suas faculdades, necessitam de um campo para expandir seus esforços, assim como seus irmãos. Sofrem com as rígidas restrições, a estagnação absoluta, tanto quanto os homens sofreriam. E é tacanho por parte desses seres mais privilegiados que elas devem se limitar a fazer pudins e a tecer meias, a tocar piano e a bordar bolsas. É insensato condená-las, ou rir delas, quando buscam fazer ou aprender coisas novas, além do que os costumes determinam que é o ideal para o seu sexo.” 
       -Jane eyre

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